sábado, 21 de julho de 2018

CENTRÃO OU DIREITÃO?
Para tentar acompanhar a movimentação de um candidato à Presidência da República, a crônica jornalística ressuscitou o conceito de centrão. Ressuscitar não é exatamente o caso, porque esse procedimento só se aplica ao que existiu e morreu. Ora, esse termo foi empregado pelos mesmos cronistas durante a ANC- Assembleia Nacional Constituinte, nos idos de 1988, para tentar esconder as manobras de uma direita inconformada com os rumos da elaboração da nova Carta Política do país, ao ponto de querer "zerá-la", como chegou a propor parlamentar lusitano e que, por isso, voltou ao anonimato de onde nunca deveria ter saído, mas a porrada que levou partiu da implacável crítica de O Pasquim: Sabem qual é a última do português? Zerar a constituição.
Ora, na época da constituinte, pesquisa realizada pela professora e cientista política Maria D'Alva Gil Kinzo (Revista Brasileira de Ciência Política, 1989,nº1, p.91-123) registrou que, para um país em que os partidos têm em geral baixa densidade ideológica, ocorreu nítida e ululante clivagem partidária esquerda-direita em 33 roll calls abarcando os seguintes  cinco blocos temáticos: governismo, conservadorismo, democrativismo, nacionalismo, oposicionismo ao sistema financeiro. Eram áreas sensíveis; o resto foi cosmetologia e perfumaria jurídica. Os constituintes do centrão, insisto, alinharam-se sempre à direita em cada uma daquelas votações, ou seja, não houve centro; ou bem se era de direita, ou bem se era de esquerda.
Resumindo, só pode voltar à vida quem já existiu. Preciso desenhar?

sexta-feira, 20 de julho de 2018

A Pergunta Que não Quer Calar
Leio declaração indignada de algum assessor de comunicação social da polícia federal sobre o incidente envolvendo velejadores brasileiros em Cabo Verde, presos, segundo consta, com uma tonelada de cocaína, segundo o MP daquele país. A intervenção da polícia federal em favor dos detidos simplesmente não foi atendida, circunstância que levou à redação de uma nota em que clama pelo reconhecimento de sua expertise. Bem, a pergunta que não quer calar é a seguinte, por que essa expertise não foi demonstrada no caso do helicoca? Sim, quando a mesma polícia apreendeu, em 24/11/2013, uma aeronave registrada como patrimônio de uma empresa de gustavo perrela, com a carga de 450 quilos de cocaína, sem que até hoje, passados 5 anos, ninguém tenha sido apontado como responsável pelo delito.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

INCLUINDO OS INCLUÍDOS: uma conversa sobre o
bullying 
Paulo Cezar Borges MartinsDoutor em Sociologia pela UnBProfessor da UESB
Quem não chegou em casa, depois de um dia estressante, e teve de ouvir as queixas de que seu filho está indo mal na escola? Mais do que isso, diasdepois, no meio do expediente, teve de comparecer à escola do menino, onde adiretora, a coordenadora e a orientadora educacional cobraram-lhe a fatura domau desempenho acadêmico de sua criança, sem que lhe tivessem prestadoqualquer tipo de esclarecimentoNo ximoinformaram quelperdeu ointeresse pelas aulas, anda desatento e não faz os deveres de casa e que, por isso, as notas despencaram. No final, sem mais, chegam a insinuar que algumacoisa deve estar indo mal em sua casa. Afinal, o fulaninho era tão bom aluno...Aí, então, você começa a notar que seu filho tem andado meio triste,inapetente, queixando-se de dores de cabeça ou estômago, sempre buscando umpretexto para não ir ao colégio. Além disso, prestando mais atenção, vão surgindoalguns detalhes até ali insignificantes, mas que, somados, parecem indicar algumacoisa que você não sabe bem o que é. Por exemplo: quando ele volta da aula, seuuniforme está sempre sujo, amarrotado e, às vezes, com rasgões; ele mesmofreqüentemente se machuca, vem com arranhões, pequenos hematomas etc.; seumaterial escolar nunca está completo, pois ele sempre perdeu algum item.O pediatra pede exames e conclui, invariavelmente, que o menino estábem. Resultadovocê vaprocurar aquela famosa psicóloga qutratou dasobrinha de sua colega de trabalho. O que é, aliás, muito acertado, pois suacriança pode estar mostrando que anda com auto-estima baixa.Bem, antes que você assuma a culpa e corra para um psicanalista (talvez,até precise, mas por outros motivos), pare e pense. Você não tem obrigação deinterpretar todos esses sinais, assunto, aliás, da competência de profissionais,mas seu filho pode estar sendo vítima de uma forma muito comum de violência naescola, o
bullying 
. Segundo os especialistas, este é o nome do fenômeno demaltrato e intimidaçãentre escolares. Bem, não fique aí parado, vá à internet e,com qualquer mecanismo de busca, entre com aquela palavrinha. Para facilitar 
 
sua vida, passo aqui dois endereços muito úteis, o da ABRAPIA – AssociaçãoBrasileirMultiprofissionadProteçãà InfânciAdolescência:www.abrapia.org/homepage/bullying/Bullying.html; do BullyinEscolar:www.bullying.net .Embora o termo seja novidade, a prática do
bullying 
deve ser tão antigaquanto as escolas. Ela consiste em maltratos verbais, através de gozações e deapelidos indesejáveisalém de acusaçõesinsultos, ofensas, humilhações,agressões morais por meio de comentários maldosos, ataques à propriedade,discriminações, podendo chegar a agressões físicas e sexuais. Os agressores,pasme, são os próprios coleguinhas de seu filho. Por isso, nem entre em pânicopensando em adultos pedófilos, pois não é o caso.O
bullying 
vistpelalentes da Sociologia, tem tudo vecommecanismos de exercício do poder nos grupos infanto-juvenis; é ferramenta óbviade controle social dos mais fortes sobre os que apresentam alguma debilidade. Ostímidos, os que têm dificuldades de coordenação motora, os inábeis nos esportes,são algumas das vítimas preferenciais dos valentões de plantão nos pátios derecreio e até nas salas de aula.Acima de tudo, converse com seu filho, demonstre seu afeto e faça-o sentir que ele é importante para você. Procure incentivá-lo a falar do clima na escola epasse esses dados para o profissional que estiver dando-lhe apoio. Mas não fiquesó nisso, vá à luta. Saiba que o
bullying 
é modalidade de assédio moral (nãoconfunda com assédio sexual, por favor) e, por essa razão, pode ensejar areparação por danos morais em juízo. Cobre a responsabilidade da escola, quetem o dever de zelar pela integridade física e psicológica dos estudantes que sãoconfiados à sua guarda e que, por isso, tem que desestimular, inibir e reprimir taispráticas, cujos resultados são sempre danososcomproblemas somáticos,traumas psicológicos, perda de auto-estima, estresse, depressão, podendo levar ao suicídio.Não fique sozinho, mobilize o apoio de pais de outras de vítimas (seu filhosabe quem são), peça auxílio ao Conselho Tutelar da Infância e Adolescência,denuncie ao setor competente do Ministério Público. Lute pela inclusão!
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quinta-feira, 5 de julho de 2018

A QUARTA ONDA
Ricardo Mariano, paulista, é sociólogo da religião; tive a oportunidade de conhecê-lo num congresso de sociologia em Brasília, há muitos anos. Pois bem, é da autoria dele o livro Neopentecostais, sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, onde ele analisa a trajetória desse evangelismo popular em nosso país, detetando fases ou momentos desse percurso histórico, com a argúcia de grande pensador que ele é. Não obstante, gostaria de acrescentar mais uma tendência 
do movimento pentecostal àquelas colocadas por ele: na minha modesta opinião, hoje domina o pentecostalismo a organização das chamadas igrejas de garagem, que crescem em números assustadores. O que é exigido para "abrir" um templo desses? Aluga-se uma garagem, colocam-se umas 30 cadeiras de plástico, um microfone com amplificador, e pronto.
Há um acontecimento que marca o início dessa nova face pentecostal, a ação vitoriosa dos descendentes de mãe Gilda, em Salvador, cuja morte decorreu dos ataques de jornal da IURD, sendo aquele dia fatídico preservado na memória como Dia de Combate à Intolerância Religiosa.
A igreja de garagem inviabiliza a cobrança de indenização por dano moral aos ofensores, dado o tamanho e o exíguo poder financeiro das micro-igrejas, já que, do ponto de vista político, a existência de uma bancada no Congresso blinda os líderes das grandes igrejas, os pastores midiáticos, assim como os pastores nanicos de bairro contra as ações criminais.
RETÓRICA POLÍTICA, RELIGIÃO E CLASSES SOCIAIS
Estudando as religiões no Brasil há quase 40 anos, pude constatar que um pequeno número dos denominados crentes ou evangélicos têm maior habilidade para falar em público, participar de discussões, liderar grupos e geri-los. Não falo de todos, mas apenas daqueles poucos cujas congregações exigem um envolvimento maior na condução da administração eclesial. É um aprendizado prático, leia-se socialização política, da convivência democrática, assinalado inclusive pelos hoje rejeitados 
clássicos da Ciência Política norte-americana, como Almond & Verba, Lipset, Dall, entre tantos outros. Até aqui só pude observar essa diferença na membresia das igrejas evangélicas tradicionais. É bem verdade que, nos idos do início da década de 1960, houve lideranças de camponeses empenhados na luta pela reforma agrária, sobretudo no Maranhão e Piauí, oriundos de denominações pentecostais, mas as clássicas. Sobrevindo o golpe de 64, eles terminaram, depois de passarem pela máquina da repressão policial-militar, voltando à sua fé, onde eram como que rebatizados, como se adeptos novos fossem.
Muito interessante observar que, no mesmo contexto social de exclusão, a tônica da discussão margeia o mundo da retórica futebolística, emoldurando as intervenções das torcidas. Noto que essa forma de argumentação transcende o "campo" das classes empobrecidas para dominar a classe média. Sou docente de universidade pública e venho trabalhando com estudantes de direito há 15 anos, aqui na Bahia. Em Brasília, onde comecei, não é diferente.