segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Candomblé em Brumado


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    PauloCezar Martins compartilhou a foto de Mônica Pinchemel.
    34 min · 

    PROFESSOR PAULO CEZAR MARTINS FALA SOBRE CANDOMBLÉ NO PORTAL BRUMADO.
    A Bahia é o estado com maior ligação com as tradições africanas. Para ficarmos em dois símbolos de nossa cultura: o acarajé (comida ritual da orixá Iansã) e a capoeira surgiram da oferenda e da cadência rítmica dos instrumentos musicais do candomblé. Para aprender mais sobre a beleza da cultura negra trazida nos horrendos porões dos navios negreiros, entrevistamos Paulo Cezar Martins, Docente do curso de Direito e pesquisador vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Religião, Cultura e Sociedade - GEPERCS da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, que pesquisa religiões populares há mais de 30 anos, tornando-as objeto de dissertação de Mestrado em Ciência Política e, também, da tese de doutorado em Sociologia, na Universidade de Brasília - UnB.
    Paulo Cezar Martins: O culto aos orixás tem origem africana, foi trazido pelos negros escravizados para o Brasil. Inicialmente, era denominado calundu e macumba, porém, com a organização de suas atividades no final do século XIX assumiu as formas hoje existentes, organizado em nações, principalmente: Keto, Angola, Jeje, Ijexá, Efam, Nagô e de Caboclo.
    1. O que é o Candomblé para você?
    A resposta não é muito simples. E aqui vai uma declaração: o que vem a seguir resulta de minha ligação pessoal com a religião, mediada pelo estudo da literatura antropológica e pelo trabalho de campo, onde recolho lições de pessoas detentoras de enorme repertório de conhecimentos, mas nem sempre tive maturidade para compreendê-las adequadamente.
     Candomblé é o culto dos orixás, caracterizando-se, quase sempre, pelas presenças da prática divinatória e do intermediário entre os homens e os orixás. Para mim, tem a ver com a dimensão da espiritualidade na perspectiva da completude enquanto ser humano,  juntando-se aos planos individual e social.
    Os Orixás, entidades sobrenaturais, podem ser, ao mesmo tempo, forças da natureza emanadas de Olorum e, por vezes, ancestrais divinizados, e o eu mais profundo, revelado em consulta oracular.
    O elemento dinâmico dessa religião é indubitavelmente o Axé, enquanto força que assegura todo o movimento, tornando possível o processo da existência. É uma força mágico-sagrada de todos os entes sagrados, de todos os seres vivos e de todas as coisas. Pode ser transmitido e armazenado temporariamente. (SANTOS,37-8)
    A prática divinatória é Ifá que, juntamente com Odudua e Obatalá, são orixás da criação. Enquanto oráculo é o meio por que fala Orunmilá. Existem três modalidades de jogos para acessar o oráculo: ikins, opelé e búzios. Pela configuração que podem assumir os 16 búzios lançados, é possível identificar o orixá que rege o consulente.
    Outra característica marcante desse culto é o transe ou êxtase, através do qual se manifesta o orixá. Diferentemente da umbanda, do kardecismo ou do pentecostalismo, não há incorporação no candomblé. O orixá não é um ente externo, como um espírito ou guia, que vem de fora para ocupar o corpo do praticante durante o transe, mas, ao contrário disso, trata-se de uma exteriorização de uma energia interior identificada no oráculo, sendo muito mais pertinente, portanto, falar de excorporação.
    Finalmente, o culto aos orixás tem origem africana, foi trazido pelos negros escravizados para o Brasil. Inicialmente, era denominado calundu e macumba, porém, com a organização de suas atividades no final do século XIX assumiu as formas hoje existentes, organizado em nações, principalmente: Keto, Angola, Jeje, Ijexá, Efam, Nagô e de Caboclo.
    Como foi realizada sua pesquisa aqui em Brumado?
    A pesquisa é sobre formas de resistência dos candomblés à intolerância religiosa em Brumado, tendo como horizonte teórico a categoria da imperatividade da norma jurídica. Nessa contextura, sustentamos a hipótese de que a aplicabilidade das normas é sempre seletiva, dependendo de acordos entre os agentes do law enforcement e os agentes religiosos.
    No trabalho empírico, entrevistamos lideranças candomblecistas que nos forneceram basicamente seu modo de conceber a intolerância e de como lidar com ela.
    Como o candomblé enxerga a morte e o que vem após ela?
    Precisamos pensar em dois níveis distintos e paralelos em pode se dar a existência: o físico e o espiritual, Ayê  é a Terra e Orun, o céu. Dentro da concepção de dupla existência do Orun-Ayê, tudo o que existe no Orun coexiste no Ayê; tudo que está no Orun possui sua representação material no Ayê. Através do Axé, propulsionado por Exu, é que se estabelece a relação entre o Ayê e o Orun.
    O Egun, parte do indivíduo que sobrevive à sua morte, cuja presença revela a força do culto dos antepassados que continuam a participar de nossa vida. Os iorubas, diz-nos Cossard (2011), acreditam que tais ancestrais, quando morrem, não vão para o Orun, mas ficam no Ayê para ajudar seus descendentes. Recebem culto à parte, em local distinto daquele em que os Orixás são  cultuados.Também simbolizam a continuidade da vida, expressando o mistério da transformação de um ser deste mundo em um ser do além.
    Os povos de terreiro vêm sofrendo muitos ataques na Bahia por parte de religiosos de outras denominações. Poderia falar a respeito.
    Sim, mas não tenho material estatístico a respeito. Sei de duas dissertações de mestrado de docentes da UNEB, a do prof. Edimar Ferreira, de Caetité, e a do prof. Paulo Cesar Brito, de Bom Jesus da Lapa.
    Em geral, a violência tem origem nas congregações neopentecostais, especialmente na IURD. O caso mais emblemático ceifou  Mãe Gilda (Gildásia dos Santos e Santos), do Terreiro Abassá de Ogum, em Salvador, que veio a óbito em razão das ofensas que sofreu nas mídias daquela igreja que foi condenada a pagar indenização à família da vítima. Mãe Jaciara, do mesmo terreiro, foi igualmente agredida, porém por dois camelôs evangélicos em plena Avenida Sete.
    Existe uma hierarquia no candomblé?
    O aprendizado se dá no interior de uma hierarquia inquestionável, sob a autoridade da Ialorixá ou o Babalorixá. Logo a seguir vêm a Iaquequerê, mãe pequena, e o babaquequerê, pai pequeno. Em geral, a nova adepta não iniciada passa pelo ritual de lavagem de contas para, então, começar como abiã; após sua iniciação, feitura ou raspagem, porém, torna-se iaô; seguem-se várias obrigações, de tal modo que, findo o período de sete anos, ela dá a respectiva obrigação, passando a ser ebômi. Poderá receber o decá que a habilita ao sacerdócio a abrir sua casa.
    Existem integrantes de uma casa que não passaram por essa trajetória, são os não rodantes: equédis e ogãs. O santo não “roda” em suas cabeças.
    Outras funções (ROCHA,1994):
    Assobá – ministro da casa de Omulu, só pode ser ocupado pelos homens de Xangô;
    Axogum – cargo masculino, escolhido entre os ogãs, designa a  pessoa que faz os sacrifícios animais. É chamado de mão de faca;
    Adagã ou Dagã – cargo feminino, encarregada de despachar o padê;
    Amorô – cargo feminino, ocupado por uma mulher de Iemanjá encarregada de dançar o padê;
    Alabê – cargo masculino, escolhido entre os ogãs, encarregado principal de tocar os atabaques e cantar para os orixás nas festas;
    Iyá Efun – cargo feminino; encarregada de pintar as yaôs durante a iniciação;
    Abassê – cargo feminino, ocupado por uma mulher de Oxum, encarregada do preparo dos alimentos rituais.
    Qual a essência da religião?
    Espiritual - nas cerimônias o Axé é fixado temporariamente e transmitido, o que tem importância transcendental, vez que se trata da componente mais dinâmica do culto. O egbé ou conjunto dos iniciados reforça e festeja sua ligação com os Orixás.
    Social  - o candomblé remete à memória da ancestralidade africana, resgatando o orgulho da afro-descendência que se reflete em autoestima e, por consequência, num novo patamar de inserção nas relações sociais no mundo profano.
    Quem quiser conhecer mais, onde pode procurar respostas aqui em Brumado?
    Keto: Pai Wellington, Mãe Raimunda, Pai Diônata
    Angola: Tata João, Tata André

    Referências
    COSSARD, Gisèle Omindarewá   Awô: o mistério dos orixás. 2.ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2011
    LOPES, Nei   Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004
    ROCHA, Agenor Miranda   Os Candomblés Antigos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994
    SANTOS, Juana Elbein dos   Os Nagô e A Morte. 4.ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1986