segunda-feira, 30 de março de 2015

LIMA BARRETO SEMPRE ATUAL

A propósito dos personagens que compõem a cena política do Brasil contemporâneo, nada mais atual que Os Bruzundangas, de Lima Barreto, escrito no início do século passado:
É este homem que assim viveu a parte melhor de sua vida, é este homem que só viu a vida de sua pátria na pacatez de quase uma aldeia; é este homem que não conheceu senão a sua camada e que o seu estulto orgulho de doutor da roça levou a ter sempre um desdém bonachão pelos inferiores; é este homem que empregou vinte anos, ou pouco menos, a conversar com o boticário sobre as intrigas políticas de seu lugarejo; é este homem cuja cultura artística se cifrou em dar corda no gramofone familiar; é este homem cuja única habilidade se resume em contar anedotas; é um homem destes, meus senhores que depois de ser deputado provincial, geral, senador, presidente da província, vai ser o Mandachuva da Bruzundanga.

quinta-feira, 26 de março de 2015

DIREITO E PLURALISMO
1. UBI SOCIETAS IBI IUS
2. MUNDO ANTIGO – DIREITO PRÓXIMO DE UMA SABEDORIA RELIGIOSA
2.1 ENTRE OS POVOS AFRICANOS, CUJA RELIGIÃO A ANTROPOLOGIA CHAMA DE TOTALIDADE CÓSMICA, NÃO HÁ SEPARAÇÃO ENTRE O DIREITO E AS DEMAIS DIMENSÕES DA VIDA COTIDIANA, COMO ECONOMIA, RELIGIÃO ETC
2.2 ENTRE OS GREGOS, ARISTÓTELES ESCREVEU A ÉTICA A NICÔMACO, PROCURANDO SITUAR O CAMPO DO DIREITO E DA JUSTIÇA, DEMARCOU ESSE CAMPO COM A REGRA SUUM CUIQUE TRIBUERE
3. NAQUELE MUNDO ANTIGO, O DIREITO ESTAVA MAIS NAS COISAS E NAS SITUAÇÕES. NO MUNDO DO CAPITALISMO RACIONAL (SEGUNDO WEBER), O DIREITO CONSTITUIU-SE COMO INSTÂNCIA POLÍTICA, O ESTADO, FORMALMENTE SEPARADA DAS CLASSES E DOS INDIVÍDUOS
3.1 AS NORMAS ESTATAIS PASSAM A SER O CAMPO NO QUAL SE IDENTIFICA O ASSUNTO DIREITO.
4. QUEM LEGISLA É O GRUPO SOCIAL DETENTOR DO PODER, POR ISSO NUNCA HAVERÁ LEGISLAÇÃO CONTRA SUA IDEOLOGIA – NENHUM LEGISLADOR É SUICIDA
5. MICROLEGISLADOR – LEGISLADOR PARA PEQUENOS GRUPOS, PARA PARCELAS DA POPULAÇÃO ATINGIDAS PELO PRECEITO LEGAL ORIGINÁRIO.
5.1 A CARACTERÍSTICA DO MICROLEGISLADOR – DESTINATÁRIO DO MANDAMENTO LEGAL ORIGINÁRIO – PAIS DE FAMÍLIA, PATRÕES, EMPREGADOS, CARCEREIROS, DETIDOS, PROFESSORES, PADRES, MÉDICOS, PSICÓLOGOS, ASSISTENTES SOCIAIS, LÍDERES DE BAIRROS, ASSOCIAÇÕES DE DEFESA DE CLASSES PROFISSIONAIS, ESTUDANTIS ETC.
5.2 O MICROLEGISLADOR DESENVOLVE UMA EXEGESE ESPECÍFICA PARA SEU GRUPO, CONFIRMA A IDEOLOGIA FUNDANTE DA NORMA ORIGINAL, ADAPTANDO-A EM FUNÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DO GRUPO E DA CORRELAÇÃO DAS FORÇAS QUE O COMPÕEM
5.3 O MICROLEGISLADOR PODE DESENVOLVER UMA TAREFA NORMATIVA QUE CHEGA A DESFIGURAR O TEOR NORMATIVO ORIGINAL, ULTRAPASSANDO OS PARÂMETROS ESTABELECIDOS, EM DOIS SENTIDOS:
5.3.1 RADICALIZANDO O TEOR NORMATIVO
5.3.2 LIBERTANDO DO CONTEÚDO LEGAL
ESTA É UMA DAS FONTES DO PLURALISMO
NUMA SOCIEDADE COMPLEXA COMO A BRASILEIRA, OBSERVA-SE, ALÉM DISSO, A EXISTÊNCIA DE COMUNIDADES TRADICIONAIS, COMO QUILOMBOS, ALDEAMENTOS INDÍGENAS, VILAS DE PESCADORES ARTESANAIS, ONDE EXISTE UM DIREITO CUJA CRIAÇÃO SE REMETE À ANCESTRALIDADE, DIFERINDO DO DIREITO ESTATAL
6. O CASO DE PASÁRGADA (JACAREZINHO), ESTUDADA PELO JURISTA PORTUGUÊS BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

Referências
AGUIAR, Roberto A. R. de  Direito, Poder e Opressão. São Paulo: Alfa-Omega, 1980
MASCARO, Alysson Leandro Introdução ao Estudo do Direito. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2011
SANTOS, Boaventura de Sousa O Direito dos Oprimidos. São Paulo: Cortez, 2014


quinta-feira, 5 de março de 2015

ANÁLISE DE CONJUNTURA
Não existe análise de conjuntura isenta, neutra, desinteressada; por mais objetividade que se pretenda, ela estará marcada por uma visão de sentido do mundo. Esse foi o ensinamento de um grande cientista social, o Betinho, que não está mais entre nós. Peço desculpas, mas cultivo minha weltanschaaung, assim como cuido das não poucas mazelas que chegaram com o avançar da minha idade.
1. ACONTECIMENTO POLÍTICO
O grande acontecimento consistiu nas eleições de outubro de 2014, que incluíram as escolhas para a presidência da República, as governadorias estaduais e dos parlamentares que integrarão a 55ª legislatura.
As duas candidaturas presidenciais representaram linhas ou diagnósticos que demarcam o campo dos debates em torno dos projetos de desenvolvimento em discussão há cerca de 70 anos, quais sejam: a perspectiva liberal-internacionalista, representada por Aécio Neves, centrada na defesa de um acerto do país com o mundo capitalista, opção em que seria fundamental
                        - pagar a dívida externa;
                        - combater a inflação, reduzir os gastos públicos, combater a corrupção;
                        - desestatizar a economia;
- acabar com as restrições (reservas de mercado, proteções alfandegárias etc.) à atuação do capital transnacional. O mundo é um só, assim também o capital. (SOUZA,1994,p.41)
A essa abordagem contrapõe-se o discurso dos liberais nacional-reformistas, protagonizado por Dilma Roussef, pretendendo rever o modelo de nossa articulação econômica com o mundo, buscando nesse movimento a priorizar as necessidades da sociedade brasileira e dar acolhida urgente às demandas sociais da população, sendo, para tanto, importante
                        - condicionar o pagamento da dívida externa à não aplicação de uma política recessiva              sob imposição do FMI;
                        - combater a inflação sem achatar os salários;
                        - democratizar a gestão da economia sem sacrificar as empresas públicas;
                       - rever as estratégias de desenvolvimento de forma a dar prioridade à empresa nacional,              ao mercado interno, à criação de empregos e ao combate à miséria. (SOUZA,1994,p.42)

Essa dualidade foi definida por outro autor como a oposição entre, por um lado,
a opção pelo melhor ajustamento possível aos azares da internacionalização de todos os mercados, identificando o da força de trabalho como o de velocidade menos acentuada, mas ainda assim acomodando-se à lógica da integração capitalista, após a falência do socialismo real (SANTOS,2007,p.65)

E, por outro lado, uma deliberada opção conservadora, por subordinar o país ao horizonte maximizador do capital financeiro especulativo. ( SANTOS,2007,p.65)

                       

O resultado do pleito mostrou um eleitorado muito dividido. Dilma, embora tenha sido vencedora, o foi no segundo turno, onde totalizou 54.501.118 votos, ou 51,64% dos votos, seguida de muito perto pelo oponente Aécio, que contabilizou 51.041.155, ou 48,36%. Na Bahia, a presidenta fez 70,16% contra 29,84% de seu concorrente. Terminou pesando para romper com o empate anunciado nas pesquisas de intenção de voto, o comportamento eleitoral dos segmentos empobrecidos da população, mais concentrado no Nordeste, se bem que esta região, como um todo, contribuiu com 17.650.817, ou 32,4%, da votação de Dilma, que obteve  25.715.896, ou 47,2%, nos Estados de SP, MG, RJ, PR, SC e RS. Para o atingimento desses números, tiveram influência programas sociais, como o bolsa-família, cotas nas universidades, minha casa-minha vida etc., mas acima de tudo a expansão do emprego no setor formal da economia, se bem que, até o momento, não existe trabalho científico a respeito.
No Congresso Nacional, assim ficou estabelecida a distribuição de cadeiras, começando pela Câmara dos Deputados, contexto em que, num universo de 513 representantes, observou-se que duas bancadas partidárias aumentaram seu número, a do PDT, que passou de 19 para 20; a do PP, que subiu de 36 para 38; enquanto isso, o PT diminuiu de 70 para 69, o PMDB, de 66 para 65, e o PSD, de 37 para 36. A questão mais discutida, porém, é a fragmentação partidária, ou seja, a dispersão das cadeiras conquistadas por um número grande de legendas, são 32, contudo 28 têm filiados seus na Câmara, o que tem gerado controvérsias, sobretudo entre cientistas políticos, em relação à governabilidade. Na verdade, os três maiores partidos em número de deputados eleitos, PT, PMDB e PSDB, reúnem um terço das cadeiras da Casa, cabendo 2/3 dos lugares para as demais 25 agremiações políticas. Se de um lado, fica claro que é complicada a engenharia do suporte parlamentar necessário para a aprovação de proposituras de iniciativa do governo, por outro lado a governabilidade não decorre apenas da alegada dispersão partidária. Durante os anos subsequentes à redemocratização que se seguiu ao fim da II Grande Guerra, a coalizão de forças conservadoras dominante no Legislativo detinha o poder de veto os ímpetos reformistas do Executivo. Vargas, JK e Goulart navegaram com extrema dificuldade durante seus mandatos.  Não podemos nos esquecer que o golpe de 64 contou com o protagonismo de expressivas lideranças civis, como o deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, que, sem fundamento constitucional, declarou a vacância do cargo de presidente da República, no momento em que seu titular se encontrava ainda em território nacional e em pleno exercício de seu mandato.
Hoje, o presidente da República pode instituir medidas provisórias como forma de contornar eventuais bloqueios, dispondo, além disso, como moedas para compra de apoio nas votações-chave das remessas voluntárias de recursos do OGU aos Estados e Municípios, contemplando emendas aprovadas pelos parlamentares, ao lado da distribuição de cargos na máquina do Governo Federal entre seus aliados. Exemplo disso está no preenchimento dos 39 cargos de ministro de Estado, onde foram acomodados militantes do PMDB, PROS, PDT, PRB, PTB, PCdoB, entre outros.
Na nova composição da Câmara, figuram 51 mulheres, ou 9,9 %, contra 47 da legislatura anterior; os negros, por sua vez, são 106, ou 20,7%, contra seu peso na sociedade, onde são 50,7%. diz respeito à crescente presença de grupos de interesse, bases organizativas de grupos de pressão (BONAVIDES,2001,p.427), que reivindicam a denominação de bancadas, mas que o são apenas em caráter extra regimental ou informalmente, a saber: bancadas de empresários, com 198 integrantes; ruralista, com 253; sindical, 51; evangélica, com 75 (BACKES,2015). Especula-se que, do ponto de vista ideológico, essa nova conjugação de forças tende à direita do espectro político, culminando com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Mesa, o que impossibilitaria a aprovação de medidas que viriam ao encontro de reivindicações históricas de organizações e movimentos sociais, tais como: descriminalização do aborto, manutenção da idade de 18 anos para responsabilização criminal, criminalização da homofobia, instituição do imposto sobre grandes fortunas, reforma agrária, regularização de terras de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, entre outros temas.

2  ECONOMIA
Numa perspectiva macroeconômica, o cenário brasileiro não discrepa daquilo que caracteriza este momento histórico do capitalismo, que tem como agentes dinâmicos: as empresas transnacionais, concentradas nos países mais desenvolvidos, que podem ser assim descritas:
                        pelo uso da tecnologia mais avançada;
                        pela capacidade fantástica de produzir bens sofisticados,
                        em escala de massa e em nível mundial. (SOUZA,1994,p.20)

Por outro lado, é preciso lembrar a importância nesse processo da banca internacional, representada pelas grandes corporações financeiras, que detêm papel fundamental na operação não só dos mercados de capitais, mas também nos de futuros, constituindo o elemento central que coloca em movimento o chamado capital especulativo, alimentado por organizações localizadas em diversos paraísos fiscais, aplicando recursos de origem ilícita, como dos tráficos de drogas, de armas e também provenientes da corrupção praticada por agentes públicos.

A grande questão colocada para o governo Dilma consiste nos ajustes macroeconômicos para fazer frente à crise que se abateu sobre a economia brasileira, queda de 19,7% nas exportações e de 0,2% na produção industrial . Tendo como horizonte o cumprimento das metas fiscais, as medidas adotadas procuram ampliar o chamado superávit primário e deter a inflação, que estava em 6,75% nos últimos 12 meses, acima, portanto dos 6,5% previstos. O receituário começa com um aumento da taxa de juros de 11,00 para 11,25%, paralelamente à subida dos preços da energia, de 3% na gasolina e 5% no diesel. Com isso, pretende-se diminuir o consumo, do que decorrerão efeitos sobre o crescimento econômico, com óbvios reflexos sobre a taxa de desemprego de 5%, a menor já verificada nos últimos anos no país, e que pesou na reeleição da presidenta.
Está previsto um corte de 50 bilhões de reais nos gastos públicos, o que terá reflexo nos programas sociais, como a mudança de regra para concessão de pensões e auxílios previdenciários.
2.1 Comércio Internacional
Anuncia-se a continuidade dos comprometimentos internacionais das gestões petistas anteriores, incluindo o desenvolvimento do MERCOSUL e o alinhamento com os demais integrantes do BRICS. Hoje, assiste-se a uma intensificação das trocas com a China, que já substituiu os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Brasil. A presidenta Dilma espera encetar com aquele país do Oriente uma parceria de criação de siderúrgicas e de indústrias de beneficiamento de minérios, de modo a maximizar as taxas de crescimento do PIB, mantendo em ascensão o nível de emprego, isto sem abandonar o programa de exportação vinculado ao agronegócio.
3. SOCIEDADE
As políticas sociais dos governos Lula e do primeiro de Dilma tiveram consequências imprevistas pelos cientistas sociais, afinal a imagem colocada nos Princípios da Filosofia do Direito, de Hegel (1976), a coruja de minerva só levanta seu voo no final da tarde. Sim, depois de séculos de não-políticas, os viajantes abandonaram o porão do navio negreiro e passaram a ocupar as poltronas dos aviões de carreira; os filhos das empregadas domésticas tornaram-se colegas de sala dos filhos das patroas de suas mães nas  universidades públicas, e nos cursos prestigiados; o pedreiro que se equilibrava no trem da Central hoje chega de moto na obra; a doméstica tem o mesmo celular de sua patroa, além de usar os mesmos perfumes; o peão tem em sua casa o mesmo televisor tela-plana que o engenheiro. Hoje, em lugares nunca dantes imaginados, operários falam de suas filhas que estão defendendo dissertações de mestrado. A classe média e as elites sentem que seus redutos foram invadidos, suscitando ressentimentos que, conveniente e irresponsavelmente canalizados e acirrados por vastos setores midiáticos, vão desembocar na cultura do ódio, responsável por manifestações pela volta da ditadura militar, fim das políticas sociais, criminalização dos movimentos sociais. São Paulo tem sido o epicentro desse terremoto reacionário, como parte de um projeto de conquista do poder federal.
Nos seus discursos, os nordestinos são culpabilizados pela vitória de Dilma, como se o candidato que sustentavam não tivesse perdido a eleição até me seu estado natal, Minas Gerais, de onde saíra como governador. Ressuscitou-se até mesmo um velho sentimento separatista.
Na academia, impera a discussão sobre se os 60 milhões de ascendentes, como resultado do distributivismo das políticas dos governos petistas, seriam, ou não, classe média.
Para o senador Cristovam Buarque, economista e professor universitário, faltar-lhes-ia um componente básico caracterizador de classe média, a educação. Mais ou menos na mesma linha de raciocínio, tem trabalhado o professor Jessé Souza  que os tem chamado de Batalhadores (2010). Nesse contexto, formou-se um caldo de cultura que  guarda afinidades eletivas, o conceito é weberiano e está na Ética Protestante (2004), com o pentecostalismo. Não por acaso, o ministro dos esportes de Dilma, George Hilton, provém exatamente da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, como quase todos os seus correligionários do PRB – Partido Republicano Brasileiro. Pertencente à membresia da IURD, mas  filiado ao PMDB, está o deputado Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara dos Deputados.

Referências
BONAVIDES, Paulo Ciência Política. 10.ed. São Paulo Malheiros, 2001
HEGEL, F. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução Orlando Vitorino. 2.ed. Lisboa: Martins Fontes, 1976
SANTOS, Wanderley Guilherme Governabilidade e Democracia Natural. Rio de Janeiro: FGV, 2007
SOUZA, Herbert José de Como se Faz Análise de Conjuntura.14.ed. Petrópolis,RJ: Vozes, 1994
SOUZA, Jessé (org.) Os Batalhadores Brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora. Belo Horizonte: EdUFMG, 2010

WEBER, Max A Ética Protestante e O Espírito do Capitalismo. Tradução José Carlos Mariani de Macedo. São Paulo: Cia das Letras, 2004
BRUMADO - FEVEREIRO/2015