ANÁLISE DE CONJUNTURA
Não existe análise de conjuntura isenta,
neutra, desinteressada; por mais objetividade que se pretenda, ela estará
marcada por uma visão de sentido do mundo. Esse foi o ensinamento de um grande
cientista social, o Betinho, que não está mais entre nós. Peço desculpas, mas
cultivo minha weltanschaaung, assim como cuido das não poucas mazelas que
chegaram com o avançar da minha idade.
1. ACONTECIMENTO POLÍTICO
O grande acontecimento consistiu nas
eleições de outubro de 2014, que incluíram as escolhas para a presidência da
República, as governadorias estaduais e dos parlamentares que integrarão a 55ª
legislatura.
As duas candidaturas presidenciais
representaram linhas ou diagnósticos que demarcam o campo dos debates em torno
dos projetos de desenvolvimento em discussão há cerca de 70 anos, quais sejam:
a perspectiva liberal-internacionalista, representada por Aécio Neves, centrada
na defesa de um acerto do país com o mundo capitalista, opção em que seria
fundamental
- pagar a dívida externa;
- combater a inflação,
reduzir os gastos públicos, combater a corrupção;
- desestatizar a
economia;
- acabar com as restrições
(reservas de mercado, proteções alfandegárias etc.) à atuação do capital
transnacional. O mundo é um só, assim também o capital. (SOUZA,1994,p.41)
A essa abordagem contrapõe-se o discurso
dos liberais nacional-reformistas, protagonizado por Dilma Roussef, pretendendo
rever o modelo de nossa articulação econômica com o mundo, buscando nesse
movimento a priorizar as necessidades da sociedade brasileira e dar acolhida
urgente às demandas sociais da população, sendo, para tanto, importante
- condicionar o pagamento da dívida
externa à não aplicação de uma política recessiva sob imposição do FMI;
- combater a inflação
sem achatar os salários;
- democratizar a gestão
da economia sem sacrificar as empresas públicas;
- rever as estratégias
de desenvolvimento de forma a dar prioridade à empresa nacional, ao mercado interno, à criação de
empregos e ao combate à miséria. (SOUZA,1994,p.42)
Essa dualidade foi definida por
outro autor como a oposição entre, por um lado,
a opção pelo melhor ajustamento
possível aos azares da internacionalização de todos os mercados, identificando
o da força de trabalho como o de velocidade menos acentuada, mas ainda assim
acomodando-se à lógica da integração capitalista, após a falência do socialismo
real (SANTOS,2007,p.65)
E, por outro lado, uma deliberada opção conservadora, por
subordinar o país ao horizonte maximizador do capital financeiro especulativo.
( SANTOS,2007,p.65)
O
resultado do pleito mostrou um eleitorado muito dividido. Dilma, embora tenha
sido vencedora, o foi no segundo turno, onde totalizou 54.501.118 votos, ou
51,64% dos votos, seguida de muito perto pelo oponente Aécio, que contabilizou 51.041.155,
ou 48,36%. Na Bahia, a presidenta fez 70,16% contra 29,84% de seu concorrente. Terminou
pesando para romper com o empate anunciado nas pesquisas de intenção de voto, o
comportamento eleitoral dos segmentos empobrecidos da população, mais
concentrado no Nordeste, se bem que esta região, como um todo, contribuiu com
17.650.817, ou 32,4%, da votação de Dilma, que obteve 25.715.896, ou 47,2%, nos Estados de SP, MG,
RJ, PR, SC e RS. Para o atingimento desses números, tiveram influência
programas sociais, como o bolsa-família, cotas nas universidades, minha
casa-minha vida etc., mas acima de tudo a expansão do emprego no setor formal
da economia, se bem que, até o momento, não existe trabalho científico a
respeito.
No
Congresso Nacional, assim ficou estabelecida a distribuição de cadeiras, começando
pela Câmara dos Deputados, contexto em que, num universo de 513 representantes,
observou-se que duas bancadas partidárias aumentaram seu número, a do PDT, que
passou de 19 para 20; a do PP, que subiu de 36 para 38; enquanto isso, o PT
diminuiu de 70 para 69, o PMDB, de 66 para 65, e o PSD, de 37 para 36. A
questão mais discutida, porém, é a fragmentação partidária, ou seja, a
dispersão das cadeiras conquistadas por um número grande de legendas, são 32,
contudo 28 têm filiados seus na Câmara, o que tem gerado controvérsias,
sobretudo entre cientistas políticos, em relação à governabilidade. Na verdade,
os três maiores partidos em número de deputados eleitos, PT, PMDB e PSDB, reúnem
um terço das cadeiras da Casa, cabendo 2/3 dos lugares para as demais 25
agremiações políticas. Se de um lado, fica claro que é complicada a engenharia
do suporte parlamentar necessário para a aprovação de proposituras de
iniciativa do governo, por outro lado a governabilidade não decorre apenas da
alegada dispersão partidária. Durante os anos subsequentes à redemocratização
que se seguiu ao fim da II Grande Guerra, a coalizão de forças conservadoras
dominante no Legislativo detinha o poder de veto os ímpetos reformistas do
Executivo. Vargas, JK e Goulart navegaram com extrema dificuldade durante seus
mandatos. Não podemos nos esquecer que o
golpe de 64 contou com o protagonismo de expressivas lideranças civis, como o
deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, que, sem fundamento
constitucional, declarou a vacância do cargo de presidente da República, no
momento em que seu titular se encontrava ainda em território nacional e em
pleno exercício de seu mandato.
Hoje, o presidente da República pode
instituir medidas provisórias como forma de contornar eventuais bloqueios,
dispondo, além disso, como moedas para compra de apoio nas votações-chave das
remessas voluntárias de recursos do OGU aos Estados e Municípios, contemplando
emendas aprovadas pelos parlamentares, ao lado da distribuição de cargos na
máquina do Governo Federal entre seus aliados. Exemplo disso está no
preenchimento dos 39 cargos de ministro de Estado, onde foram acomodados
militantes do PMDB, PROS, PDT, PRB, PTB, PCdoB, entre outros.
Na nova composição da Câmara, figuram 51
mulheres, ou 9,9 %, contra 47 da legislatura anterior; os negros, por sua vez,
são 106, ou 20,7%, contra seu peso na sociedade, onde são 50,7%. diz respeito à
crescente presença de grupos de interesse, bases organizativas de grupos de
pressão (BONAVIDES,2001,p.427), que reivindicam a denominação de bancadas, mas
que o são apenas em caráter extra regimental ou informalmente, a saber:
bancadas de empresários, com 198 integrantes; ruralista, com 253; sindical, 51;
evangélica, com 75 (BACKES,2015). Especula-se que, do ponto de vista
ideológico, essa nova conjugação de forças tende à direita do espectro
político, culminando com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Mesa,
o que impossibilitaria a aprovação de medidas que viriam ao encontro de
reivindicações históricas de organizações e movimentos sociais, tais como:
descriminalização do aborto, manutenção da idade de 18 anos para
responsabilização criminal, criminalização da homofobia, instituição do imposto
sobre grandes fortunas, reforma agrária, regularização de terras de comunidades
tradicionais, como indígenas e quilombolas, entre outros temas.
2 ECONOMIA
Numa perspectiva macroeconômica, o cenário
brasileiro não discrepa daquilo que caracteriza este momento histórico do
capitalismo, que tem como agentes dinâmicos: as empresas transnacionais, concentradas
nos países mais desenvolvidos, que podem ser assim descritas:
pelo uso
da tecnologia mais avançada;
pela
capacidade fantástica de produzir bens sofisticados,
em
escala de massa e em nível mundial. (SOUZA,1994,p.20)
Por
outro lado, é preciso lembrar a importância nesse processo da banca
internacional, representada pelas grandes corporações financeiras, que detêm
papel fundamental na operação não só dos mercados de capitais, mas também nos
de futuros, constituindo o elemento central que coloca em movimento o chamado
capital especulativo, alimentado por organizações localizadas em diversos
paraísos fiscais, aplicando recursos de origem ilícita, como dos tráficos de
drogas, de armas e também provenientes da corrupção praticada por agentes
públicos.
A grande questão colocada para o governo
Dilma consiste nos ajustes macroeconômicos para fazer frente à crise que se
abateu sobre a economia brasileira, queda de 19,7% nas exportações e de 0,2% na
produção industrial . Tendo como horizonte o cumprimento das metas fiscais, as
medidas adotadas procuram ampliar o chamado superávit primário e deter a
inflação, que estava em 6,75% nos últimos 12 meses, acima, portanto dos 6,5%
previstos. O receituário começa com um aumento da taxa de juros de 11,00 para
11,25%, paralelamente à subida dos preços da energia, de 3% na gasolina e 5% no
diesel. Com isso, pretende-se diminuir o consumo, do que decorrerão efeitos
sobre o crescimento econômico, com óbvios reflexos sobre a taxa de desemprego
de 5%, a menor já verificada nos últimos anos no país, e que pesou na reeleição
da presidenta.
Está previsto um corte de 50 bilhões de
reais nos gastos públicos, o que terá reflexo nos programas sociais, como a
mudança de regra para concessão de pensões e auxílios previdenciários.
2.1 Comércio Internacional
Anuncia-se a continuidade dos
comprometimentos internacionais das gestões petistas anteriores, incluindo o
desenvolvimento do MERCOSUL e o alinhamento com os demais integrantes do BRICS.
Hoje, assiste-se a uma intensificação das trocas com a China, que já substituiu
os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Brasil. A presidenta
Dilma espera encetar com aquele país do Oriente uma parceria de criação de
siderúrgicas e de indústrias de beneficiamento de minérios, de modo a maximizar
as taxas de crescimento do PIB, mantendo em ascensão o nível de emprego, isto
sem abandonar o programa de exportação vinculado ao agronegócio.
3. SOCIEDADE
As políticas sociais dos governos Lula e
do primeiro de Dilma tiveram consequências imprevistas pelos cientistas
sociais, afinal a imagem colocada nos Princípios da Filosofia do Direito, de
Hegel (1976), a coruja de minerva só levanta seu voo no final da tarde. Sim,
depois de séculos de não-políticas, os viajantes abandonaram o porão do navio
negreiro e passaram a ocupar as poltronas dos aviões de carreira; os filhos das
empregadas domésticas tornaram-se colegas de sala dos filhos das patroas de
suas mães nas universidades públicas, e
nos cursos prestigiados; o pedreiro que se equilibrava no trem da Central hoje
chega de moto na obra; a doméstica tem o mesmo celular de sua patroa, além de
usar os mesmos perfumes; o peão tem em sua casa o mesmo televisor tela-plana
que o engenheiro. Hoje, em lugares nunca dantes imaginados, operários falam de
suas filhas que estão defendendo dissertações de mestrado. A classe média e as
elites sentem que seus redutos foram invadidos, suscitando ressentimentos que,
conveniente e irresponsavelmente canalizados e acirrados por vastos setores
midiáticos, vão desembocar na cultura do ódio, responsável por manifestações
pela volta da ditadura militar, fim das políticas sociais, criminalização dos
movimentos sociais. São Paulo tem sido o epicentro desse terremoto reacionário,
como parte de um projeto de conquista do poder federal.
Nos seus discursos, os nordestinos são
culpabilizados pela vitória de Dilma, como se o candidato que sustentavam não
tivesse perdido a eleição até me seu estado natal, Minas Gerais, de onde saíra
como governador. Ressuscitou-se até mesmo um velho sentimento separatista.
Na academia, impera a discussão sobre se
os 60 milhões de ascendentes, como resultado do distributivismo das políticas
dos governos petistas, seriam, ou não, classe média.
Para o senador Cristovam Buarque,
economista e professor universitário, faltar-lhes-ia um componente básico
caracterizador de classe média, a educação. Mais ou menos na mesma linha de
raciocínio, tem trabalhado o professor Jessé Souza que os tem chamado de Batalhadores (2010).
Nesse contexto, formou-se um caldo de cultura que guarda afinidades eletivas, o conceito é
weberiano e está na Ética Protestante (2004), com o pentecostalismo. Não por
acaso, o ministro dos esportes de Dilma, George Hilton, provém exatamente da Igreja
Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, como quase todos os seus
correligionários do PRB – Partido Republicano Brasileiro. Pertencente à
membresia da IURD, mas filiado ao PMDB,
está o deputado Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara dos Deputados.
Referências
BONAVIDES, Paulo Ciência Política. 10.ed. São Paulo Malheiros, 2001
HEGEL, F. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução Orlando Vitorino.
2.ed. Lisboa: Martins Fontes, 1976
SANTOS, Wanderley Guilherme Governabilidade e Democracia Natural.
Rio de Janeiro: FGV, 2007
SOUZA, Herbert José de Como se Faz Análise de Conjuntura.14.ed.
Petrópolis,RJ: Vozes, 1994
SOUZA, Jessé (org.) Os Batalhadores Brasileiros: nova classe média ou nova classe
trabalhadora. Belo Horizonte: EdUFMG, 2010
WEBER, Max A Ética Protestante e O Espírito do Capitalismo. Tradução José
Carlos Mariani de Macedo. São Paulo: Cia das Letras, 2004
BRUMADO - FEVEREIRO/2015